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Reportagem
Peixe invasor e com má fama, mas produtivo
Por Patricia Grogg
O bagre africano encarna em Cuba todos os desafios das espécies exóticas, que, após serem introduzidas em um habitat, se convertem em invasoras.
HAVANA,
18 de maio (Tierramérica).- Conhecido por devorar tudo que cruza seu
caminho, e até por morder as pessoas, o bagre africano (Clarias
gariepinus) levanta polêmica em Cuba, enquanto, transformado em filé, é
degustado nas mesas familiares. A espécie, também conhecida como
peixe-gato, foi introduzida em Cuba em 1999 para ser criada em tanques
de água doce. Mas as fortes chuvas que caíram em 2001 e 2002 - devido
aos ciclones Michelle, Isidoro e Lili - provocaram sua dispersão por
todo o país. Desde então, mil histórias alimentam sua má reputação.
Os argumentos contra o bagre africano vão desde ser “muito feio” até aos de que “come qualquer coisa” e assusta, porque pode andar como réptil em terra firme, valendo-se de suas rígidas barbatanas e ondulando seu corpo. A pior e mais séria acusação é a de que acaba com outras espécies, pondo em risco o equilíbrio ecológico. Algo desse tipo teria ocorrido na lagoa da fazenda El Retiro, em Cárdenas, a cerca de 150 quilômetros de Havana, onde não há outros peixes, nem patos ou gansos, desde a chegada do bagre africano. Trabalhadores do lugar culpam a espécie invasora de comerem as crias dessas aves.
“Mas o filé destes peixes é bom. Temos que pensar em como criá-los em abundância nestes espelhos d’água da fazenda. Assim contribuiríamos para maior disponibilidade de alimentos”, disse ao Terramérica Raimundo García, diretor do Centro Cristão de Reflexão e Diálogo, responsável pelo projeto El Retiro. A introdução de espécies exóticas figura entre as principais causas da perda de diversidade biológica em Cuba, além da “débil integração entre as estratégias de conservação e uso sustentável da biodiversidade e das atividades de desenvolvimento econômico”.
Para os ecologistas, o problema não é tanto o fato de o bagre africano ser invasor, mas sim de os mecanismos de regulação e controle nem sempre serem infalíveis, e de o desastre ambiental ser muito difícil de reverter.
As Nações Unidas decidiram dedicar esse 22 de maio, Dia Internacional da Diversidade Biológica, à questão das espécies invasoras, uma ameaça maior à biodiversidade e ao “bem-estar ecológico e econômico da sociedade e do planeta”. Desde o século XVII, estas espécies - animais, vegetais, vírus, bactérias e outros organismos patogênicos - “contribuem com quase 40% da extinção de animais com causa conhecida”, afirma o Convênio sobre a Diversidade Biológica.
Em Cuba, a estratégia oficial para proteger a biodiversidade inclui ações de conservação, reabilitação e restauração de ecossistemas e habitat degradados, avaliação de impacto ambiental, planos de manejo e controle de espécies invasoras vegetais e animais. Em defesa do bagre africano, técnicos do setor pesqueiro alegam que qualquer espécie, diante de um jejum prolongado por falta de alimento, pode surpreender comendo organismos que não fazem parte de sua dieta habitual. “O bagre africano é resistente, sobrevive em condições adversas”, disse a esta jornalista Julio Baisre, assessor ministerial.
“Estudos sobre o conteúdo estomacal desta espécie, as características e posição de sua boca, sua dentição reduzida e o fato de apenas valer-se do tato e do olfato para localizar as presas indicam que se alimenta, em geral, de organismos do fundo das águas”, afirmou Baisre. O assessor considera “exageradas e de segunda mão” as opiniões contra o bagre africano, pois tampouco há “evidências cientificamente fundamentadas” de que alguma das espécies cubanas de água doce tenha se extinguido por causa de outra invasora.
Segundo ele, “provavelmente outros impactos ambientais relacionados com o uso e manejo da água e a destruição de habitat” tenham influenciado mais negativamente sobre essas espécies do que a presença do bagre africano ou de tilápias (gênero Oreochromis). Contudo, faltam “estudos rigorosos” sobre os impactos ambientais de muitas espécies trazidas de fora, reconheceu Baisre. “Quando me perguntam sobre o peixe-gato respondo com outra pergunta: Você conhece alguma espécie que sirva de alimento humano e se converta em uma praga?”, acrescentou.
Outros defensores da introdução do bagre africano na aquicultura argumentam que mais de 65% das espécies de água doce criadas no continente americano não são naturais dessa região, como ocorreu há séculos com a cana-de-açúcar ou o café. “As introduções de peixes acontecem a partir de janelas comparativas com espécies autóctones, como maior crescimento, tecnologia de produção eficiente e econômica, alto valor no mercado externo ou propriedades nutricionais”, assegurou Orestes González, subdiretor da revista Mar e Pesca.
O peixe-gato é conhecido e aceito na mesa cubana e figura com certa frequência na rede comercial de produtos do mar em moeda nacional. Cuba tenta desenvolver a aquicultura de maneira intensiva. Dionis Cruz, vendedor de uma peixaria da capital, onde um quilo de filé de bagre africano custa o equivalente a US$ 1,5, assegura que é muito procurado. “Vende muito rápido. Recebo 200 quilos que acabam em dois dias”, afirmou. Especialistas concordam que a criação de espécies de água doce é uma “necessidade mundial”, pois a pesca marítima chegou ao seu limite há anos. O cultivo de bagre africano não é uma descoberta cubana, sendo explorado em mais de 30 países, afirmam.
Em 2008, a aquicultura cubana produziu mais de 30 mil toneladas de pescado, entre tinca (Tinca tinca), tilápia, bagre africano e outras espécies, boa parte em tanques explorados ao máximo, onde os peixes alimentam-se de plâncton natural. Nos últimos anos, foi incentivada a criação intensiva de tilápias em jaulas flutuantes e de peixe-gato em tanques de terra ou cimento. Segundo Baisre, esta aquicultura é sustentável e faz parte da estratégia nacional de segurança alimentar. O método intensivo permite que, por meio da alimentação, seja controlado o número de exemplares que podem ser mantidos em um determinado lugar.
Graças a um projeto financiado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), a aquicultura cubana conta com ração crioula, o que barateia os custos. O alimento elaborado no Centro de Preparação de Aquicultura Mampostón, em San José de Las Lajas, a cerca de 30 quilômetros da capital, se baseia nos próprios subprodutos do bagre africano, aos quais são adicionadas farinhas de soja, de trigo ou farelo. “A idéia é substituir a importação de farinha de pescado”, disse Mirtha Vinjoy, subdiretora do Centro.
Os argumentos contra o bagre africano vão desde ser “muito feio” até aos de que “come qualquer coisa” e assusta, porque pode andar como réptil em terra firme, valendo-se de suas rígidas barbatanas e ondulando seu corpo. A pior e mais séria acusação é a de que acaba com outras espécies, pondo em risco o equilíbrio ecológico. Algo desse tipo teria ocorrido na lagoa da fazenda El Retiro, em Cárdenas, a cerca de 150 quilômetros de Havana, onde não há outros peixes, nem patos ou gansos, desde a chegada do bagre africano. Trabalhadores do lugar culpam a espécie invasora de comerem as crias dessas aves.
“Mas o filé destes peixes é bom. Temos que pensar em como criá-los em abundância nestes espelhos d’água da fazenda. Assim contribuiríamos para maior disponibilidade de alimentos”, disse ao Terramérica Raimundo García, diretor do Centro Cristão de Reflexão e Diálogo, responsável pelo projeto El Retiro. A introdução de espécies exóticas figura entre as principais causas da perda de diversidade biológica em Cuba, além da “débil integração entre as estratégias de conservação e uso sustentável da biodiversidade e das atividades de desenvolvimento econômico”.
Para os ecologistas, o problema não é tanto o fato de o bagre africano ser invasor, mas sim de os mecanismos de regulação e controle nem sempre serem infalíveis, e de o desastre ambiental ser muito difícil de reverter.
As Nações Unidas decidiram dedicar esse 22 de maio, Dia Internacional da Diversidade Biológica, à questão das espécies invasoras, uma ameaça maior à biodiversidade e ao “bem-estar ecológico e econômico da sociedade e do planeta”. Desde o século XVII, estas espécies - animais, vegetais, vírus, bactérias e outros organismos patogênicos - “contribuem com quase 40% da extinção de animais com causa conhecida”, afirma o Convênio sobre a Diversidade Biológica.
Em Cuba, a estratégia oficial para proteger a biodiversidade inclui ações de conservação, reabilitação e restauração de ecossistemas e habitat degradados, avaliação de impacto ambiental, planos de manejo e controle de espécies invasoras vegetais e animais. Em defesa do bagre africano, técnicos do setor pesqueiro alegam que qualquer espécie, diante de um jejum prolongado por falta de alimento, pode surpreender comendo organismos que não fazem parte de sua dieta habitual. “O bagre africano é resistente, sobrevive em condições adversas”, disse a esta jornalista Julio Baisre, assessor ministerial.
“Estudos sobre o conteúdo estomacal desta espécie, as características e posição de sua boca, sua dentição reduzida e o fato de apenas valer-se do tato e do olfato para localizar as presas indicam que se alimenta, em geral, de organismos do fundo das águas”, afirmou Baisre. O assessor considera “exageradas e de segunda mão” as opiniões contra o bagre africano, pois tampouco há “evidências cientificamente fundamentadas” de que alguma das espécies cubanas de água doce tenha se extinguido por causa de outra invasora.
Segundo ele, “provavelmente outros impactos ambientais relacionados com o uso e manejo da água e a destruição de habitat” tenham influenciado mais negativamente sobre essas espécies do que a presença do bagre africano ou de tilápias (gênero Oreochromis). Contudo, faltam “estudos rigorosos” sobre os impactos ambientais de muitas espécies trazidas de fora, reconheceu Baisre. “Quando me perguntam sobre o peixe-gato respondo com outra pergunta: Você conhece alguma espécie que sirva de alimento humano e se converta em uma praga?”, acrescentou.
Outros defensores da introdução do bagre africano na aquicultura argumentam que mais de 65% das espécies de água doce criadas no continente americano não são naturais dessa região, como ocorreu há séculos com a cana-de-açúcar ou o café. “As introduções de peixes acontecem a partir de janelas comparativas com espécies autóctones, como maior crescimento, tecnologia de produção eficiente e econômica, alto valor no mercado externo ou propriedades nutricionais”, assegurou Orestes González, subdiretor da revista Mar e Pesca.
O peixe-gato é conhecido e aceito na mesa cubana e figura com certa frequência na rede comercial de produtos do mar em moeda nacional. Cuba tenta desenvolver a aquicultura de maneira intensiva. Dionis Cruz, vendedor de uma peixaria da capital, onde um quilo de filé de bagre africano custa o equivalente a US$ 1,5, assegura que é muito procurado. “Vende muito rápido. Recebo 200 quilos que acabam em dois dias”, afirmou. Especialistas concordam que a criação de espécies de água doce é uma “necessidade mundial”, pois a pesca marítima chegou ao seu limite há anos. O cultivo de bagre africano não é uma descoberta cubana, sendo explorado em mais de 30 países, afirmam.
Em 2008, a aquicultura cubana produziu mais de 30 mil toneladas de pescado, entre tinca (Tinca tinca), tilápia, bagre africano e outras espécies, boa parte em tanques explorados ao máximo, onde os peixes alimentam-se de plâncton natural. Nos últimos anos, foi incentivada a criação intensiva de tilápias em jaulas flutuantes e de peixe-gato em tanques de terra ou cimento. Segundo Baisre, esta aquicultura é sustentável e faz parte da estratégia nacional de segurança alimentar. O método intensivo permite que, por meio da alimentação, seja controlado o número de exemplares que podem ser mantidos em um determinado lugar.
Graças a um projeto financiado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), a aquicultura cubana conta com ração crioula, o que barateia os custos. O alimento elaborado no Centro de Preparação de Aquicultura Mampostón, em San José de Las Lajas, a cerca de 30 quilômetros da capital, se baseia nos próprios subprodutos do bagre africano, aos quais são adicionadas farinhas de soja, de trigo ou farelo. “A idéia é substituir a importação de farinha de pescado”, disse Mirtha Vinjoy, subdiretora do Centro.
* Este
artigo é parte de uma série produzida pela IPS (Inter Press Service) e
pela IFEJ (Federação Internacional de Jornalistas Ambientais) para a
Aliança de Comunicadores para o Desenvolvimento Sustentável
(www.complusalliance.org).
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